- É hoje! – Despertei com o pensamento, coração disparado. Hoje era o dia de nosso casamento. Ao meu lado, Adriel sorriu e seu beijo tranqüilo aquietou-me um pouco. Logo lembrei tudo que tínhamos a fazer e pulei da cama, pedindo-lhe para apressar-se também.
Estávamos na cabana, felizmente. Nossa casa (já considerava a de Adriel minha também) estava um caos, com montes de anjos que não dormiam nunca. A família dele era maravilhosa e fiquei feliz por aceitarem-me tão bem, uma vez que Adriel estava preso na Terra por minha culpa. Alguns conselheiros vieram também e passaram boa parte da noite em reunião, discutindo sobre o futuro do complexo e a busca de cura para Adriel. E ainda queriam fazer despedida de solteiro. Nem imagino como seria uma despedida de solteiro de anjos, mas também não quis arriscar a sorte e praticamente seqüestrei meu noivo para nossa última noite antes do casamento.
Tana chegou, com aquele seu dom característico de saber quando acordávamos para logo invadir. Estava tão alucinada e esbaforida como sempre.
- Menina, é tarde! Vá tomar seu banho enquanto preparo o café da manhã. Sei que tem que ver seus convidados em Portal, mas espero que não demore. As fadas de todos os elementos estão esperando para seu dia de noiva. E você, menino, corra lá para sua casa. Aqueles anjos estão me botando doida com aquele monte de asas batendo para tudo quanto é canto.
Adriel e eu olhamo-nos e explodimos em risadas. Será que quando fôssemos casados ela pararia de tratar-nos como crianças? Difícil imaginar isto.
A manhã voou em Portal atendendo a todos que vieram de São Pedro e a Antônio e Marta, ansiosos por minha aprovação a tudo. Ainda revisei a igreja, antes de ir para Etera. Graças à gentil Thania do cartório, agora não precisaríamos mais ter duas cerimônias, uma civil e outra religiosa e oficializaríamos tudo na igreja.
Em Etera, um verdadeiro SPA estava à minha espera e abandonei-me aos cuidados das fadas, recebendo massagens e tratamentos para o corpo, cabelos, mãos, pés e cada centímetro do corpo. Vesti-me no palácio, ainda boba com a beleza de meu vestido. Tive receio de que os delírios de Tana atingissem as fadas artesãs e surgissem com uma roupa principesca demais para a capela de Portal. Felizmente ouviram minhas idéias e o vestido era romântico e leve como desejei e todo recoberto com uma delicada renda tecida à mão. Simplesmente perfeito!
O casamento era às 19:00 hs e consegui chegar na igreja com apenas uma hora de atraso. Tana entrou para verificar se tudo estava correto e voltou rindo. A igreja estava entupida de humanos e não humanos, imaterializados ou em forma humana. De nada adiantara ter organizado duas cerimônias. Anjos e fadas não resistiram ao desejo de comparecer.
Eu entrei sozinha. Não quis que ninguém substituísse meu pai. Adriel estava deslumbrante todo em branco no altar e segui até ele amparada pelo meu coração completamente enternecido de tanto amor.
Pude sentir sua emoção pelo tremor nos lábios quando beijou minha testa na frente do altar e ajoelhamo-nos para a cerimônia que foi emocionante. Após o início ritual, o padre leu a passagem da bíblia que escolhemos: Carta 13 de São Paulo aos Coríntios.
“Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e dos anjos, se não tivesse amor, seria como sino ruidoso ou como címbalo estridente.Ao final da leitura estava emocionada demais, controlando-me para não desabar em lágrimas e todo o restante foi envolvido por esta névoa de sentimentos, até o final quando Adriel beijou-me e estávamos casados e saímos em meio aos aplausos e uma chuva de arroz.
Ainda que tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência; ainda que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse amor, nada seria.
Ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse o meu corpo às chamas, se não tivesse amor, nada disso me adiantaria.
O amor é paciente, o amor é prestativo; não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor jamais passará. As profecias desaparecerão, as línguas cessarão, a ciência também desaparecerá. Pois o nosso conhecimento é limitado; limitada é também a nossa profecia. Mas, quando vier a perfeição, desaparecerá o que é limitado.
Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Depois que me tornei adulto, deixei o que era próprio de criança.
Agora vemos como em espelho e de maneira confusa; mas depois veremos face a face. Agora o meu conhecimento é limitado, mas depois conhecerei como sou conhecido.
Agora, portanto, permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e o amor. A maior delas, porém, é o amor.
Antônio organizara a festa em um galpão próximo a Igreja. Estava entupido de pessoas e acho que ele deve estar ainda a imaginar quem seriam todas aqueles desconhecidos, enquanto Adriel e eu divertíamo-nos observando fadas passando-se por humanos e anjos andando imateriais por entre as pessoas.
Até mesmo François e seus pais estavam divertindo-se e entre conversas, danças, corte do bolo, jogo de buquê, rifa da gravata e todos os rituais típicos, acabamos por sair de madrugada para a cabana, arrastando latinhas barulhentas por toda Portal.
Adriel fez questão de entrar comigo ao colo. Ele estava determinado a cumprir absolutamente todos os rituais e acabara por contagiar-me com aquele entusiasmo um pouco ingênuo, mas tão autêntico.
Ele não me soltou mesmo após sair de seu colo, continuando a segurar minhas mãos e apenas parou, olhando-me sem nada falar. Pelos seus olhos passaram, em sequência, várias emoções diferentes, fazendo com que as sentisse também.
Foi um momento de reconhecimento. Apesar de toda improbabilidade, ali estávamos nós, casados, finalmente livres para viver em toda a plenitude a grandeza de nosso amor. Neste precioso instante, de diálogo eloqüente ainda que silencioso, nós nos encontramos talvez mais intimamente do que em qualquer momento anterior.
Estávamos cansados. A madrugada já cedia no horizonte e dali a poucas horas teríamos mais uma cerimônia e outra festa. Antes mesmo dezenas de convidados de todos os tipos já estariam exigindo nossa atenção em dois ou três locais diferentes.
Nossa respiração ficou lenta, pausada e ofegante, nossos corpos paralisados e tensos naquele instante congelado em que bastaria um gesto para que nos deixássemos consumir pelo desejo selvagem, seco e urgente que estalava no ar.
Adriel fechou os olhos, inspirou razão e eu soube que o momento passara e o programa seguiria inalterado.
Texto registrado no Literar.
Imagem daqui.
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